Construídos há 400 anos, eles continuam a inspirar os habitantes da capital holandesa na busca por relações mais equilibradas e sustentáveis
Há quatro anos, a cidade holandesa pôs em prática um programa chamado Amsterdam Smart City ("Amsterdã Cidade Inteligente"), que tem como principal objetivo incentivar, entre seus habitantes, ações que a tornem mais sustentável e eficiente.
Elas foram subdivididas em quatro categorias: habitação, mobilidade, trabalho e espaços públicos. Algumas dessas experiências estão reunidas no Programa Cidades Sustentáveis, plataforma que procura oferecer aos gestores públicos brasileiros boas práticas realizadas em diversos lugares do mundo. Vários exemplos dessas mudanças ocorrem ao redor do famoso anel de canais que corta a cidade. Construído há 400 anos, eles continuam a moldar o ritmo de vida e o espírito de seus habitantes.
Em um deles, logo cedo, pela manhã, o silêncio é irreal: em menos de uma hora, as estreitas ruas ao redor se entupirão de carros, motos e bicicletas. Mas, no momento, elas ainda estão desertas. Em uma das casas, notam-se luzes acesas. Passa um ciclista solitário. Vistas de nosso barco, as residências à beira do canal são majestosas; as árvores, mais altas; as pontes, mais largas. Exceto pelo vaivém das águas que batem contra o molhe de tijolos, tudo permanece quieto.
Até uma alavanca emergir da água. Agora, dentro do barco de lixo, também há uma bicicleta enferrujada, um carrinho de compras e uma grossa camada de lama, da qual ressurgem vários destroços. O lixo desaparece no porão de carga, e o forte cheiro de água estagnada se funde ao odor de fumaça do diesel do motor da embarcação.
Segundo Maarten Ouboter, da Waternet, empresa pública que supervisiona a qualidade da água nos canais de Amsterdã, cinco barcos navegam por eles todos os dias para recolher o que é lançado nas águas, um total de mais de 3 500 quilos de lixo, que inclui até bicicletas. Em um único dia, elas podem chegar a 34. "Também encontramos geladeiras, mobília e até animais mortos."
Vista área do centro de Amsterdã: as casas do século 17 ao lado do canal em primeiro plano estão cobertas de neve nesse dia frio de janeiro - Foto: Cris Toala Olivares
Amsterdã foi construída sobre as águas. Até por volta do ano de 1300, Amestelledamme (que significa "represa do rio Amstel") era um pequeno povoado, que mal reunia mil habitantes, cercado por pântanos, brejos e pequenos lagos. Dois fatores, porém, impulsionaram seu crescimento. Seus habitantes tinham um tino especial para o comércio e a localização favorável, entre o rio Amstel e o mar do Norte, contribuíram para o rápido aumento na prosperidade local.
No fim da Idade Média, ela mantinha fortes vínculos de negócios com várias cidades situadas ao redor do mar Báltico, que, com o tempo, se tornaram suas principais parceiras comerciais. Além disso, Amsterdã era um importante entreposto de grãos e madeira dentro da Europa. Já no século 17, ali ocorreu a ascensão de um lucrativo comércio de especiarias com as Índias Orientais e o Ceilão - hoje, respectivamente, Indonésia e Sri Lanka. "Por volta de 1600, a cidade holandesa somava 60 mil habitantes e colocava gente pelo ladrão", relata Gabri van Tussenbroek, historiador da arquitetura local e autor de Amsterdam in 1597 - Kroniek van een Cruciaal Jaar ("Amsterdã em 1597 - Crônica de um Ano Crucial", sem tradução para o português). Naquela época, era a cidade que mais rápido crescia no mundo. Alguns anos depois, em 1613, em torno do Singel teve início a construção de outros canais, que, anos depois, formariam um grande anel. O tamanho e as dificuldades dessa empreitada de engenharia eram únicos na época. Tanto que a obra só ficou pronta cerca de 50 anos depois.
Tratava-se da construção de um cinturão, formado por três canais semicirculares - Herengracht, Keizersgracht e Prinsengracht -, unidos por um engenhoso sistema de ruas e pequenos cursos d'água que se comunicavam com os três maiores. Sobre eles, alguns com mais de 14 quilômetros de extensão, havia 80 pontes. A imensa quantidade de terra removida na escavação dos canais foi usada para fazer pequenos diques ao redor dos quais surgiram várias casas. Graças àquela obra engenhosa, Amsterdã tem hoje cinco vezes seu tamanho original. "Na época, a expansão da cidade trouxe uma nova distribuição de moradias, trabalho, tráfego e algumas instituições públicas, como mercados e igrejas, que foi única em seu tempo", conta Van Tussenbroek. Os recursos para a construção dos canais vieram por meio da venda de vários lotes de terra a ricos mercadores. Os maiores e mais caros ficavam próximos ao canal Herengracht.
Após a conclusão das obras, Amsterdã, finalmente, passou a ser vista como uma cidade atraente e carismática, além de se tornar um centro comercial rico e poderoso. Apenas Londres e Paris eram maiores. Mas, de acordo com Van Tussenbroek, "sua beleza, ao contrário das capitais da França e da Inglaterra, não está relacionada aos palácios reais, mas sim às imponentes residências construídas à beira dos canais".
Fonte: National Geographic